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Nos últimos anos, os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, os FIDCs, têm ganhado destaque no mercado de capitais brasileiro. Com um modelo que une rentabilidade atrativa, pulverização de risco e forte ligação com a economia real, os FIDCs conquistaram gestores e investidores qualificados. Ainda assim, esse crescimento impressionante tem sido limitado ao público mais sofisticado, com apenas uma fração mínima acessível ao investidor de varejo.

Enquanto o número total de FIDCs ativos no Brasil ultrapassa os 3.300, apenas seis estão abertos ao pequeno investido|r, o que representa meros 0,18% do total. A exclusividade ainda persiste, mesmo diante de um cenário favorável e de mudanças regulatórias que poderiam destravar o acesso ao varejo.

O que são os FIDCs e por que atraem tanto interesse?

Os FIDCs funcionam como veículos de antecipação de recebíveis. Eles compram direitos de crédito de empresas, como aluguéis, vendas parceladas, contratos de prestação de serviços ou faturas de cartão de crédito, com desconto. Isso permite que as empresas antecipem recursos futuros e os fundos lucrem com o spread entre o valor pago e o valor a receber, assumindo o risco de inadimplência.

Em um ambiente de juros elevados, essa estrutura tem se mostrado ainda mais vantajosa. A rentabilidade atrativa, somada à diversificação dos riscos e à segurança jurídica, faz dos FIDCs uma alternativa cada vez mais procurada por gestores de crédito privado. O crescimento comprova essa tendência, apenas entre 2023 e 2024, o volume captado pelos FIDCs aumentou 89,6%, alcançando a marca de R$ 30,3 bilhões somente em 2025, ficando atrás apenas das debêntures como instrumento de captação no mercado.

Acesso restrito ao varejo: uma oportunidade travada

Apesar do sucesso da classe, a grande maioria dos FIDCs ainda está restrita a investidores qualificados, com mais de R$ 1 milhão aplicados, ou profissionais, com mais de R$ 10 milhões. A explicação histórica é um dos fatores. Os FIDCs foram criados em 2001 e, por mais de duas décadas, ficaram fora do alcance do investidor comum. Foi apenas em 2023 que a Comissão de Valores Mobiliários, CVM, passou a permitir o acesso ao público geral, com a Resolução CVM 175.

Mesmo com esse avanço regulatório, a oferta de fundos abertos ao varejo continua quase inexistente. Parte do receio na indústria se deve à percepção de que o investidor de varejo tem menor familiaridade com instrumentos mais complexos, podendo reagir de forma volátil em momentos de estresse de mercado. Por isso, muitos gestores ainda preferem manter seus fundos fechados a públicos mais experientes.

Esse cuidado, no entanto, pode ser contornado com regras mais conservadoras, como prazos de resgate mais longos e exigências maiores de liquidez na carteira. Além disso, a própria regulamentação já impõe limites ao tipo de ativo que pode ser oferecido ao investidor de varejo,

autorizando apenas cotas seniores, com prioridade nos recebimentos, e ativos performados, que já passaram pela entrega do bem ou serviço.

O papel estratégico dos FIDCs no cenário atual

O ambiente macroeconômico e fiscal também tem impulsionado a relevância dos FIDCs. A Reforma Tributária, em discussão desde 2023, deve aumentar significativamente a carga tributária para empresas e operações tradicionais de crédito. Diante disso, muitas companhias estão migrando para estruturas mais eficientes, como os FIDCs, que oferecem benefícios fiscais, estabilidade operacional e segurança jurídica.

Além disso, a transformação do financiamento empresarial no Brasil vem transferindo cada vez mais o protagonismo dos bancos para o mercado de capitais. Os FIDCs, junto aos Fundos de Investimento em Participações, os FIPs, têm assumido um papel central nesse processo, financiando desde pequenas empresas até instituições financeiras de médio porte.

Dados recentes do Banco Central mostram que, em dezembro de 2024, os FIDCs direcionaram R$ 179,7 bilhões ao financiamento de instituições financeiras, R$ 125,1 bilhões ao comércio e R$ 97,4 bilhões à indústria. Juntos com debêntures, CRIs, CRAs e notas comerciais, os direitos creditórios já representam mais de 30% do crédito ampliado para as empresas.

O avanço dos FIDCs mesmo diante de incertezas

Mesmo em um ambiente desafiador para os fundos de investimento em geral, os FIDCs continuam atraindo recursos. Em junho de 2025, o patrimônio líquido da classe somava R$ 687,39 bilhões, com captação líquida positiva de R$ 22,45 bilhões apenas no mês. No primeiro semestre do ano, enquanto boa parte da indústria de fundos enfrentava resgates líquidos, os FIDCs e os fundos de renda fixa foram as duas únicas classes com entradas líquidas de recursos.

A performance dos FIDCs também chama atenção. Ela é impulsionada por uma combinação de fatores: a alta dos juros, a escassez de crédito no mercado, o fortalecimento do ambiente regulatório e a ampliação do número de gestores que passam a estruturar e ofertar produtos desse tipo.

Perspectivas: mais acesso, mais riscos, mais maturidade

O futuro dos FIDCs aponta para um ciclo de expansão, com mais fundos abertos ao varejo, mas também exige responsabilidade. A abertura ao público geral deve ser feita com atenção à qualidade da estrutura, à governança e ao alinhamento entre perfil de risco dos ativos e características dos cotistas.

O risco de surgimento de gestoras inexperientes, que prometem retornos elevados sem estrutura adequada, é uma preocupação real. Em ciclos de otimismo, é comum o aparecimento de participantes mal preparados que podem, em caso de problemas, comprometer a credibilidade de toda a indústria.

Por isso, o crescimento saudável dos FIDCs passa por uma combinação de regulação firme, educação financeira e amadurecimento do mercado. Com isso, será possível expandir o acesso

dos investidores de varejo a uma das classes mais promissoras do mercado de capitais brasileiro, conectando poupança privada à economia real de forma sustentável, eficiente e responsável.